Não existe som mais terrível do que o de um crânio sendo partido. Tenho isso pra mim desde os 7 anos de idade, quando meu irmão mais novo caiu da laje. Um estampido seco ecoou por toda a casa, talvez por toda a rua. Hoje, se é que posso em minha situação atual referir-me a essas medidas temporais, percebo que o barulho é ainda pior quando trata-se de sua própria cabeça. O estalar do osso quebrando soa num volume tão alto que chega, por vezes, a cobrir meus pensamentos.
Lembro-me de sentir a bala, quente, derretendo meus cabelos, rasgando minha pele. Lembro-me de sentir cada pequena fissura abrir-se no osso. Agora sinto o chumbo fervente beijando meu cérebro enquanto o ruído ainda retumba em meus tímpanos.
Na minha visão, a cozinha de casa. Uma panela no fogo imóvel, um pequeno inseto pousado na pia, as teias de aranha nos cantos do armário, um clarão vindo de meu lado esquerdo (origem da bala) e minha mulher com uma expressão de terror ainda moldando-se no rosto. O que aconteceu, como aconteceu, ainda não consegui entender. Lembro-me de ouvir um barulho na porta, depois foi só o cabelo queimando, a pele rasgando e o som, o maldito som do meu crânio quebrando.
Estava as vésperas de completar 48 anos. Não sei se é possível comparar, mas acho que já estou aqui, parado, congelado nesse momento, fitando minha esposa e toda cozinha há muito mais tempo que minha própria idade, mesmo sabendo que nem um segundo se passou.
Nesse tempo, conheci cada detalhe, cada poro, pêlo, cada marca de expressão e cada fio de cabelo dela. Descobri que não há nada mais letal para o amor de um homem do que ser condenado a observar o mesmo rosto por toda eternidade. Se ainda me fosse possível um último movimento, não me voltaria contra o meu assassino e sim contra ela e a socaria, com todas as forças, tentaria a todo custo desfigurá-la, bateria sua face contra a quina da pia, atearia-lhe fogo, arrancaria-lhe um olho a dentadas, faria o que fosse preciso para destruir essa cara que estou condenado a encarar eternamente.
Por vezes tenho a sensação de que alguma coisa mudou, que a chama moveu-se ou que a gota de suor em sua têmpora esquerda está um milímetro abaixo do que estava antes e me apego na esperança de que o tempo ainda passa e que isso pode acabar.
Não, morrer é bem pior do que imaginava... é só a ausência do próximo instante.
Lembro-me de sentir a bala, quente, derretendo meus cabelos, rasgando minha pele. Lembro-me de sentir cada pequena fissura abrir-se no osso. Agora sinto o chumbo fervente beijando meu cérebro enquanto o ruído ainda retumba em meus tímpanos.
Na minha visão, a cozinha de casa. Uma panela no fogo imóvel, um pequeno inseto pousado na pia, as teias de aranha nos cantos do armário, um clarão vindo de meu lado esquerdo (origem da bala) e minha mulher com uma expressão de terror ainda moldando-se no rosto. O que aconteceu, como aconteceu, ainda não consegui entender. Lembro-me de ouvir um barulho na porta, depois foi só o cabelo queimando, a pele rasgando e o som, o maldito som do meu crânio quebrando.
Estava as vésperas de completar 48 anos. Não sei se é possível comparar, mas acho que já estou aqui, parado, congelado nesse momento, fitando minha esposa e toda cozinha há muito mais tempo que minha própria idade, mesmo sabendo que nem um segundo se passou.
Nesse tempo, conheci cada detalhe, cada poro, pêlo, cada marca de expressão e cada fio de cabelo dela. Descobri que não há nada mais letal para o amor de um homem do que ser condenado a observar o mesmo rosto por toda eternidade. Se ainda me fosse possível um último movimento, não me voltaria contra o meu assassino e sim contra ela e a socaria, com todas as forças, tentaria a todo custo desfigurá-la, bateria sua face contra a quina da pia, atearia-lhe fogo, arrancaria-lhe um olho a dentadas, faria o que fosse preciso para destruir essa cara que estou condenado a encarar eternamente.
Por vezes tenho a sensação de que alguma coisa mudou, que a chama moveu-se ou que a gota de suor em sua têmpora esquerda está um milímetro abaixo do que estava antes e me apego na esperança de que o tempo ainda passa e que isso pode acabar.
Não, morrer é bem pior do que imaginava... é só a ausência do próximo instante.