domingo, 17 de janeiro de 2010

peru à cartola typewriter

impressiona descobrir a quantidade de merdas que podem ocorrer na vida de um sujeito em tão pouco tempo. descobrir por experiência própria impressiona ainda mais. depois de um tempo passei a chamar isso tudo de "sadismo divino", péssimo nome, inclusive. não nego, porém, que a imagem d'Ele sentado em seu enorme trono simplesmente para troçar de minha existência, sujando sua imensa barba despenteada com saliva e restos da coxa de peru ostentada pela sua mão esquerda e levada, de tempos em tempos, enquanto ria de mim, à boca de poucos dentes, ainda não saiu da minha cabeça. de alguma forma alivio tal lembrança refletindo a respeito de um trecho da bíblia, eu acho, que li em algum lugar. "deus fez o homem sua imagem e semelhança". quando o vi, pela primeira vez, guiava um escort azul claro em direção a puta que pariu e, não sei dizer exatamente porque, talvez porque estivesse bêbado, cruzei um farol vermelho e destruí meu carro na lateral de um caminhão. havia mais alguém, sentado no banco do passageiro e, no banco de trás, deus sentado em sua cadeirinha com cinto de segurança reforçado, comia o interminável pedaço de peru. parecia um pouco menos assustador, talvez por causa da decoração da cadeirinha ou talvez porque Ele fosse grande demais para as pequenas medidas do assento de segurança. quem diria? deus passando por uma situação ridícula no banco de trás de um carro. acho que muita gente já passou por situações vexatórias no banco de trás de um carro, eu mesmo consigo me lembrar de várias ocasiões e, por isso, de certa forma, acho que Ele está perdoado. "deus fez o homem sua imagem e semelhança". o último trem saia meia-noite e quinze e já era algum horário depois disso. no bar, velho barreiro e alguma história sobre uma noiva morta, jovens e velhos bebuns e um bom senhor de meia-idade, terno, gravata, meias finas. já meio ébrio, essa combinação de roupas não mais impunha tanto respeito quanto impora na manhã daquele mesmo dia. bêbado e, aparentemente, bastante deprimido, a gravata pouco aparecia, caída torta para o lado, encoberta pelo terno. o nó, afrouxado, quase desfeito, metade dos botões da camisa, já respingada de óleo e cerveja, abertos e o terno muito amarrotado. o bom cidadão se comportava como um bom cidadão numa sexta-feira qualquer. o garçom, como esperado, era deus e sua miraculosa coxa de peru. em todas as merdas que se seguiram, deus estava presente. comecei a acreditar que o desgraçado estava sabotando as coisas pro meu lado. passado os terríveis quinze dias, sujo de merda até o pescoço, comecei entender que Ele só estava lá, e o trecho da bíblia, escrito em algum lugar, explicava a coisa toda. "deus fez o homem a sua imagem e semelhança". a coxa de peru infinita não passa de demonstração de poder, como quando um cachorro usa uma cartola, uma útil e, no caso da coxa, nutritiva demonstração de poder.

3 comentários:

  1. Às vezes, penso - não que às vezes penso, mas que às vezes, penso, alguma masturbação literária é necessária pra rechear os vãos deixados pelos grandes textos. Pichorra, sem dúvida, é um grande texto. Curto, porém grande. Eu poderia parar por aqui, mas como não tenho nenhuma noção de minha própria chatice, dou os parabéns pelas referências biográficas nesta grandessíssima bodega, que só servem mesmo pra justificar o quanto Deus te sacaneia... hehehehe...

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  2. pp e a arte da prolixidade non-sense... ou algo do tipo.

    o que, exatamente, tudo isso quer dizer?

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  3. rodrigo artista...

    sabia que vc continuava praticando essa terapia cotidiana e libertadora!

    estou falando sobre escrever, é claro!

    beijão!!

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